Thursday, April 09, 2009

27 anos depois

Filmes irmãos, siameses, do Pai e da Filha, o prolongamento de um, a linhagem, a estética, a temática, os objetivos, novos objetivos, um discurso dentro do homem-discurso, dois artistas, três artistas, quatro artistas, um filme feito a muitas mãos.

“A Idade da Terra” coloca em jogo, entre tantas, o futuro da arte cinematográfica em película (ou em geral) e como nos relacionamos com ela, a luz que bate no fotograma, reage quimicamente e imprime uma imagem, e depois?; “Anabazys”, como sua parte II, ou a sua parte incompleta, que sempre existiu mas que precisava ser filmada (o “shot missing” em “Blackout” do Abel Ferrara), coloca em jogo o que é fazer um “filme documentário” hoje. O som e a imagem, dois únicos inseparáveis e dependentes? Ou camadas que se entrelaçam e se separam, duas linhas infinitas? Os depoimentos de Glauber e os depoimentos de quem conheceu Glauber. Entrevistas? Elas precisam ser filmadas, mas logo Joel e Paloma quebram um paradigma decisivo: quem dá a entrevista? Não há créditos, não há pessoas como seres que existem no antes e no depois do filme, mas apenas personagens, inomináveis (ilegendáveis, como diria Paloma Rocha?), que contam a ficção do outro (Glauber), que são a ficção do outro (Joel e Paloma), que se fazem sua própria ficção (“Anabazys”).

Pizzini define bem essa forma de construção: o filme não é sobre alguém, mas fala de algo através desses “alguéns”. Cria seu espaço e tempo a partir de um espaço-tempo existente. Ué, é “filme documental” ou é “filme ficcional”? Para “Anabazys”, isso é balela. Há 29 anos Glauber já tinha tocado nesse assunto: Tarcísio Meira é personagem (ficção) e os membros da escola de samba não, são os seres reais (documentário). Quando um se transfigura no outro, a definição se perde. “Anabazys” não poderia seguir outro caminho. Joel e Paloma partem de vozes, polifonia sonora. Glauber irrompe iluminado pelo seu próprio nascer do sol; aos poucos, rostos desconhecidos em “A Idade da Terra” dão lugar a outros tantos desconhecidos, gravados no digital, que miraculosamente falam sobre Glauber; este Glauber que vira personagem dos dois diretores – tanto que o filme começa com “Glauber Rocha em”, discurso para as grandes estrelas que tem seu nome apresentado antes até to próprio título.

Vinte e sete anos depois de um dos filmes mais impactantes da história do cinema, cria-se outro para não deixar esquecê-lo. É isso. Para não esquecer. Não é explicar, analisar, teorizar. “Anabazys” é um tributo documentário-ficção (um filme, afinal), apaixonado, sobre uma figura, seus filmes e seus ideais.

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