Tuesday, October 27, 2009

Presenças, ausências, atropelamentos

As imagens da câmera do Leonardo Bittencourt não são claras. São escuras, ligeiramente subexpostas, por opção. Obscuras por uma falta de clareza de intenções ao longo de seu perambular pelas cidades do Vale do Paraíba no road-movie que este operador co-dirige com Julia Murat.

Ora o enquadramento aponta, crente em pontos ótimos do quadro, elementos(que assim se assumem)-chave para as cenas como uma árvore, um ônibus, uma senhora, um senhor, um senhor e uma senhora, ora deixa que estes elementos fluam dentro da imagem, surjam com o passar do tempo. Este segundo tipo acontece principalmente quando a câmera é posta em uma rodovia ou ferrovia. Nesses momentos, os eventos parecem poder atropelar a câmera, por quase fazerem-no literalmente, colocando a existência do câmera como participante de um jogo de forças de ausências e presenças – neste caso, o acontecimento/assunto se postando como uma força presente e maior diante de um câmera passivo, quase ausente, colocado no meio da estrada.

O embasamento da câmera, percebe-se, não é constante, ao contrário do que fazem crer as imagens mais austeras do filme. Oscila, sem aparentar vacilos, entre o tripé e a mão de Leonardo, colocando em estado latente o movimento corporal do cineasta, e deste modo sua presença e movimentos (intervenções) naquelas cenas.

O que está em crise, lembrança do título e permitindo as revoltas dessas forças (as presenças e ausências), é a autoridade de sua direção. A câmera sem soberania visual às vezes abandona o posto e empresta seu aparato imagético à captura de sons; outras vezes reclama o poder. Anuncia e renuncia seu poder. Muitas vezes confia demais no que está diante de si (ou por vir) e em seu entorno. Uma postura coerente com um processo road-movie, ainda mais em uma co-direção, não carente de organicidade mas infelizmente acusada, nos momentos finais, de suas próprias e interessantes fraquezas.

Pois se o jogo ou crise ou briga de forças pode ser rico, o próprio filme parece deslegitimá-lo, se justificando no final com uma briga de gangorra factual entre os diretores (em que o jogo de forças é sublinhado e jogado para fora do filme, já que um outro contrato entre os autores é registrado) e com a imposição de uma música que remete lúdica e rasamente à interessante crise do filme – a câmera sem pé nem cabeça é comentada por um “Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada”. Uma piada a atropelar o complexo jogo de inteligências e forças criadoras que faz de Dia dos Pais um filme bom de se assistir.

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